Ideb tem carecido de análise de fatores de contextos, afirma especialista.

“É perverso você penalizar escolas quando muitas vezes se tem condições muito precárias de realizar o trabalho escolar.” A afirmação é da professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e especialista em avaliação educacional Sandra Zakia, procurada pelo Blog do projeto Indicadores da Qualidade na Educação (Indique) para comentar as avaliações externas de competências aos moldes do Ideb.

Para Sandra, a avaliação de competências, entendida como um produto da educação de qualidade, é importante, mas não pode ser o único critério para avaliação de unidades e sistemas de ensino. Em sua opinião, é preciso contextualizar estes resultados, avaliando também fatores ligados a acesso, insumos e processos de ensino-aprendizagem.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Blog do Indique: Hoje os resultados obtidos no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e em avaliações semelhantes, como a Prova São Paulo e o Saresp, são os principais indicadores utilizados para medir a qualidade das escolas e da redes de ensino. Você considera que apenas a avaliação de desempenho dos alunos é suficiente para medir a qualidade da educação?
Sandra Zakia: Acho que não são suficientes. Eles são um indicador, na verdade o Ideb, por exemplo, é um índice que resume dois indicadores: de proficiência em língua portuguesa e matemática, além de medir fluxo escolar. Certamente eles não dão conta da noção de qualidade da educação. Além do que, o próprio resultado dos Ideb tem carecido de uma análise mais articulada, associada a fatores de contextos.

Blog do Indique: Se o Ideb não é suficiente para medir a qualidade de uma escola, em sua opinião, quais indicadores seria importante levar em conta?
Sandra Zakia: Quando você fala de uma avaliação de contexto, eu acho que a primeira questão a ser considerada se refere ao acesso, embora no ensino fundamental seja uma dimensão que vem sendo pouco mencionada. Nas avaliações, as condições que viabilizam o acesso das crianças a escolas deveriam ser sempre analisadas, porque o acesso é o primeiro passo.
Outra questão são os insumos, ou seja, os elementos que configuram uma oferta qualificada da educação, que passa por orçamento, espaço físico da escola, valorização de professores e outros profissionais, materiais e profissionais de apoio.
Além disso, há elemento de processo, questões de gestão, currículos, relações e interações que se processam, tanto nas escolas quanto nas diferentes instancias da rede. Essas questões se refletem nos processos educacionais e é muito importante para a análise.
Acho que esse delineamento mais abrangente, para além de uma análise do produto – entendido aqui como os resultados dos alunos em prova – apontam para uma direção que qualificaria a ideia de uma avaliação educacional.

Blog do Indique: Este índice que apresenta apenas resultados e fluxo escolar, descontextualizados das condições da escola, não podem criar um quadro de culpabilização de alunos, professores e gestores pelo suposto “fracasso escolar”?
Sandra Zakia: A gente já tem tido algumas evidências de pesquisas, identificando alguns efeitos dessas avaliações nos sistemas de ensino. Um dos efeitos que têm sido identificados é a indução das formatações de propostas de ensino com base no que é exigido nas provas.
Além disso, há o uso dos resultados nessas avaliações como forma de promover a bonificação ou a premiação, o que também tem levado a reações diversas. Escolas que se sentem com possibilidade de serem premiadas se sentem estimuladas. Aquelas que se sentem com poucas possibilidades de conquistar o premio têm tido uma postura de desestímulo de melhoria da qualidade escolar.
Em todo caso, são iniciativas recentes. Não podemos ser conclusivos. Mas, sem dúvidas, estes índices vêm, de algum modo, causando efeitos na organização do trabalho.

Blog do Indique: Qual é o papel que uma avaliação institucional poderia ter para a melhoria da qualidade da escola e das redes de ensino?
Sandra Zakia: Quando se fala em avaliação institucional, a expressão tem sido muito relacionada a uma autoavaliação da escola. Acho que temos que ampliar, que pensar como diversas instâncias se avaliando, numa perspectiva tanto de autoavaliação, quanto de avaliação externa das escolas, das redes, secretarias, dos grupos centrais de gestão, de formulação e implementação. Acho que são dimensões que se complementam.
Blog do Indique: E a participação, é uma dimensão importante a se considerar para medir qualidade na educação?
Sandra Zakia: Ela é uma característica desejável. É importante que os diferentes seguimentos tivessem a oportunidade de expressar sua avaliação e seus julgamentos.

Blog do Indique: O que acha do Projeto de Lei que prevê exibição de diversos outro indicadores ao lado dos resultados do Ideb?
Sandra Zakia: Seria bastante interessante que estes dados fossem divulgados para que se tenham uma ideia da condição de produção que se dispõe para a realização do trabalho na escola. É perverso você penalizar escolas quando muitas vezes se tem condições muito precárias de realizar o trabalho escolar. Isso, porém, não nega as avaliações de proficiências dos alunos.

*Entrevista realizada por Gustavo Paiva

Notícias Relacionadas

Deixe um comentário